"A educação exige os maiores cuidados, porque influi sobre toda a vida." - Sêneca, filósofo grego

“Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor.” – Paulo Freire, educador brasileiro

"[A educação] Não é a preparação para a vida, é a própria vida." – John Dewey, pedagogo estadunidense

 

A Educação e o homem

domingo, 10 de maio de 2015

A Educação auxilia na formação do ser humano

Com aprendizado da escola à universidade, somados aos valores familiares, o ser e o saber se fundem para formar o individuo

CARLOS BORGES

A escola é o complemento para a formação do ser humano 
A Educação é uma das bases da formação de toda pessoa, em sua vida profissional e pessoal. Essa é a opinião de Cristiane Freitas, professora do Ensino Fundamental há mais de vinte anos. Para ela, a educação como forma de ensino recebida na escola é um complemento, porém não é tudo. (A professora, nesse momento, suspira e pensa por um instante antes de responder). “O que as pessoas recebem na escola, pode ajudá-las durante a vida, mas um conjunto de outros fatores vai auxiliar sua formação. A família e o interesse pelo saber são algumas delas”, aponta.

O professor universitário Benedito Aparecido Cirino ressalta que a Educação é fundamental para o individuo. “Ela é o pressuposto básico para a formação do ser humano. O homem não nasce pronto, precisa ser formado”, afirma.

Para Benedito, a Educação é dividida em níveis e tipos. “Os tipos seriam a educação informal, aquela que recebemos em casa e a educação formal, que aprendemos na escola. Já os níveis são o básico, médio e superior”, explica.

Para ele, a educação formal mesma fragmentada deveria ser ininterrupta. “O ensino é um processo contínuo e não se separa completamente da informal”, avalia.

A professora Cristina Campos concorda com o professor Benedito, e por isso é preciso ter cuidados na hora de ensinar. “Todos nós recebemos na educação informal, valores familiares, e cabe a escola transferir conhecimento respeitando a subjetividade de cada um”, acentua.

Cristina, que também é formada em psicologia, afirma que o professor não pode impor o saber aos alunos, e sim transformá-los em indivíduos que saibam refletir, e agir de maneira crítica e atuante.

Para o professor Benedito, que também é doutor em Educação pela Universidade de Sorocaba, esse assunto é complexo e é necessário um estudo mais extenso. “Na “Paidéia” grega, livro que aborda o tema Educação, verificamos uma construção histórica dos projetos de educação, apresentados em um tempo e espaço do sujeito”, indaga.  
Na opinião do professor, nos dois últimos séculos ocorreram à fragmentação da Educação priorizando o ensino, e isso se tornou um problema. “Se o foco fica apenas no ensino perdem-se outras dimensões, principalmente o de formar o ser humano, que é algo fundamental na Educação”, afirma.
Paulo Freire educador e filosofo brasileiro (1921-1977)

Segundo ele, com a Educação o ser humano apreende, ou seja, assimila para vida toda. Já no ensino ele apenas aprende para resolver algo imediatamente. “Para fazer uma prova, quando termina, não se tem mais compromisso com aquilo que aprendeu”, exemplifica.

Benedito, que tem como referência o educador Paulo Freire, afirma que é preciso priorizar a formação de sujeitos, se não vai formar apenas objetos. “Para formar profissionais se prioriza o ensino, para formar seres humanos prioriza as subjetividades. Assim, não tem mais professor e aluno e sim, educador e educando. Uma relação bem diferente”, conclui.

(Foto: Carlos Borges)

Nunca é tarde para aprender

sábado, 9 de maio de 2015

Projeto de alfabetização de jovens e adultos em Sorocaba realiza sonhos antigos de conhecimento

Maioria dos alunos vem de outros Estados, é de origem camponesa e precisou ajudar no sustento da família durante a infância

Alexsandro Kurosaki da Silva, filho de um pernambucano e de uma japonesa, não pôde estudar na sua infância, em São Paulo, para onde foi ainda bebê. As mortes precoces da mãe, quando ele tinha sete anos, e do pai, quando tinha 15, fez com que labutasse desde pequeno: era necessário sustentar os seis irmãos.  Catou ferro-velho na rua, trabalhou na feira, vendeu chocolate na Praça da Sé, no viaduto do Chá, nos semáforos. Não sobrava tempo para a escola. “Se eu não trabalhasse nós íamos morrer de fome.”

Foi para o Japão aos 17 anos. Mesmo sem saber escrever, conseguiu nas cidades de Tóquio e Nagoya empregos em que mexia com mecânica, no câmbio de empilhadeiras em indústrias. De lá, remetia dinheiro para seus irmãos aqui no Brasil. Voltou com 31 anos e veio morar em Sorocaba. Não se arrepende dos sacrifícios que teve de fazer; se emociona, chora, ao falar desse período de sua vida. “Pra mim é uma vitória muito grande ver hoje meus irmãos casados, com saúde. Eu perdi o estudo, mas eu vi eles felizes, com roupa...”.

Analfabetos sofrem muita discriminação, lamenta Alexsandro. "Eu estou muito emocionado e alegre de ter essa chance."

Agora, aos 38 e mais estabelecido financeiramente, o desejo tantas vezes distante pela necessidade de sobrevivência está sendo finalmente realizado: Kurosaki é aluno da classe de ensino Fundamental 1 do Projeto Alfa Vida – Educação de Jovens e Adultos, na escola municipal Irineu Leister, no bairro Ipiranga. Está descobrindo, com ajuda da professora Edna, o alfabeto, o curioso efeito de uma sílaba quando concatenada com outra, as regras gramaticais. Não só: além das aulas de Português, aprende Ciências, Geografia, Matemática, História, Artes.

O Japonês - seu apelido e afinal como todo mundo o conhece e chama - tem um sonho: terminar os estudos e fazer um curso de mecânica ou elétrica, ramo em que já faz alguns bicos. “É muito difícil você chegar numa firma e lá você tem que preencher um papel, colocar seus dados... e a gente não consegue”, confessa. Eu quero ter alguma coisa, algum emprego digno.” Para tornar realidade esse sonho, incentivo não falta.  “Tem muita gente me dando apoio. A professora, minha esposa, o pessoal da igreja.” 

Acreditar em si
Estímulo e apoio à autoestima, realmente, são os maiores desafios que a professora Edna de Jesus Teles Oliveira enfrenta em sala de aula. Convencê-los que, sim, podem. “Fazer cada um deles acreditar que não é tarde, que ainda dá tempo, que não são burros, que vão conseguir. Isso tem que ser feito todos os dias”, conta a professora.  

"Eu acho que eu tenho um papel. Não escolhi a profissão à toa", diz Edna sobre sua motivação como professora do EJA
Edna, cujos pais eram também analfabetos, dá aulas há sete anos no Alfa Vida. Nesse tempo, colecionou experiências e histórias de superação que servem de exemplos a ela. A maioria dos alunos, conta, é imigrante, de origem camponesa, precisava ajudar a família no sustento e morava longe da escola. É uma minoria que vem da cidade.

Marina Vidal Silva, aposentada de 65 anos, e Júlio Alves de Pontes, jardineiro de 42, comprovam essa tendência. Ambos cresceram em sítios no Paraná. Júlio, menininho, já carpia. Marina tinha de se dedicar ao trabalho doméstico e ao serviço na roça: “tomar conta da casa, lavar roupa no rio, buscar água longe, rachar lenha...”. Depois, a criação dos filhos e dos netos a impediram, mais uma vez, de pisar numa sala de aula. Apesar da idade, e de só agora conseguir o que tanto almejou por muito tempo, Marina não se queixa. “Tudo tem seu tempo e sua hora.”

Júlio Alves de Pontes quer fazer curso de jardinagem depois
A sorridente Marina Vidal Silva quer estudar "até quando der"

O Projeto Alfa Vida - Educação de Jovens e Adultos (EJA) foi criado em 1989 pela Secretaria de Educação de Sorocaba, com ajuda do Fundo Social de Solidariedade, à época presidido por Maria Inês Moron Pannunzio. Naquele ano, a taxa de analfabetismo no município ultrapassava 10%. No censo realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) já indicava que esse número havia sido reduzido para 3,1%. Em 2015, há 13 turmas de Alfa Vida em diversas escolas e CEIs da cidade. 

Alexsandro, Marina e Júlio estão na mesma turma. É uma sala mista, primeiro e segundo termo. O primeiro termo equivale à primeira e segunda série. O segundo termo, terceira e quarta série. Os dois termos, juntos, levam primeiro à alfabetização e depois à conclusão do Fundamental 1.

O currículo e o planejamento das aulas, no entanto, são diferentes dos aplicados às crianças. Tentam seguir as peculiaridades, a trajetória de cada aluno, e são mais voltados aos problemas de uma pessoa adulta no mundo. Muitos dos alunos, por exemplo, precisam conciliar a busca pelo conhecimento com jornadas de trabalho, deslocamentos de ônibus, a criação de filhos e outros afazeres. “Eles já são vencedores pelo simples fato de estar aqui”, acredita Edna. 


(Reportagem e fotos de Lucas Montenegro)


Inclusão no ensino superior

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Libras é incluída no curso
de jornalismo de Sorocaba

Uniso será a primeira universidade do Brasil a incluir a disciplina na grade do curso

CARLOS BORGES

Universidade é a pioneira no oferecimento da disciplina.
O curso de jornalismo da Universidade de Sorocaba (Uniso) passa a ter em sua grade curricular a disciplina de Libras (Língua Brasileira de Sinais).
A proposta de inclusão foi feita por um dos professores, informa Andrea Sanhudo Torres, coordenadora do curso de Jornalismo da Uniso. “Tínhamos que fazer uma adequação na matriz do curso para 2015, e incluir dois idiomas, preferencialmente, inglês e espanhol. Por isso, em discussão com o colegiado, o professor José Raul sugeriu a inclusão de Libras”, afirma.
Segundo Andrea a proposta foi pensada justamente, pelo caráter de universidade comunitária que faz parte a instituição, em todos os projetos de inclusão social e pelo fato do jornalismo ser uma área que tem que atingir a todos os públicos. “Saber lidar com a pluralidade, e a diversidade é o papel essencial para a formação do jornalista”, salienta.
A proposta foi aprovada pelo Conselho Universitário (Consu), em novembro do ano passado, depois de muita insistência por parte do colegiado. A partir de então, Libras, que antes era optativa, passa a fazer como parte fixa da matriz curricular do curso de Jornalismo, juntamente com inglês e espanhol. “Estamos criando um diferencial, o primeiro curso no Brasil a oferecer Libras como disciplina obrigatória. Assim, todo o aluno que entrar a partir de 2015 e quiser concluir o curso terá obrigatoriamente que cumprir dois créditos ou quarenta horas/aulas em Libras”, completa Andrea.
A coordenadora informou ainda, que quem está com a grade em andamento pode optar por cursar a disciplina.
Andrea afirma que embora seja pioneira, a intenção da Uniso, não é ser modelo para outras universidades, mas sim cumprir seu papel com a sociedade e fortalecer a formação do aluno, mas ficará feliz se isso acontecer. “A intenção não é essa, mas se isso for uma influência positiva para outras instituições, que seja”, conclui.
Aula de Libras da professora Maria Angela
Para Maria Angela Oliveira, professora universitária e especialista em Libras (Língua Brasileira de Sinais) e educação para surdos, a disciplina de Libras deveria ser incluída nas escolas desde a Educação Infantil. Como isso está longe de acontecer, o idioma deveria, segundo ela, ser incluído em todos os cursos de graduação superior. “Através do ensino de Libras pode-se compreender a importância de assegurar aos surdos o acesso a comunicação, a informação e à educação, bem como, a sua efetiva integração na sociedade”, sintetiza.
A grande dificuldade de aprender a língua, segundo a especialista, é a falta de prática e não basta simplesmente conhecer os sinais. “É necessário conhecer a sua estrutura gramatical, combinando-as em frases”, salienta.
Para Maria Ângela, Libras é a língua materna dos surdos e é muito importante aprendê-la para poder se comunicar com eles. “Se o jornalista souber o básico sobre a língua, o surdo vai se sentir mais a vontade para dar a sua opinião”, conclui.O ensino de Libras será oferecido no quarto semestre do curso, portanto os novos alunos vão começar a aprender a nova disciplina, somente a partir de agosto de 2016.

Legados e tendências

domingo, 3 de maio de 2015

Educação brasileira é tecnicista e diferente entre as classes sociais, dizem pesquisadores que organizam livro

Com lançamento marcado para este mês, obra traz modelos de ensino de diversas épocas e conceitos pedagógicos de pensadores como Sócrates e Santo Agostinho

"É claro que entendemos que os tempos mudaram, mas até que ponto a escola mudou, uma vez que suas práticas e discursos ainda estão centrados numa educação por repetição e a criatividade é reduzida ao desenvolvimento de competências, habilidades e atitudes previstas?". A pergunta, retórica, é feita por Paulo Gomes Lima, que ao lado de Sílvio Cesar Marques, ambos pesquisadores e professores do Campus Sorocaba da UFSCar, organizam o segundo volume do livro "Fundamentos da Educação - Recortes e Discussões".
 
O objetivo central do livro é exatamente este: trazer à luz o conhecimento historicamente produzido para que se possa refletir e problematizar as matrizes das tendências pedagógicas atuais do cotidiano escolar, por vezes sequer identificadas como provenientes de discursos, ideologias e visões de mundo. 

Paulo acredita que no Brasil, por exemplo, ao contrário do que é anunciado e pregam os documentos oficiais, a escola ainda é "predominantemente tradicional, com traços de tecnicismo entre saberes e fazeres".  Por um ensino tecnicista pode-se compreender, em resumo, aquele que é dirigido à transmissão de conhecimentos redutíveis à lógica operacional, identificados com a eficiência de mercado. Mais preocupado em transmitir habilidades utilitaristas, técnicas, do que com o florescimento de uma intelectualidade reflexiva e a valorização da subjetividade dos alunos.

Silvio Marques concorda que a educação brasileira, adepta de um discurso progressista, segundo ele, é baseada num modelo "tecnicista mesclado com maneiras tradicionais". E mais: estruturalmente, ela estaria dividida entre uma escola direcionada à classe hegemônica - os ricos - e outra à população, digamos, menos abastada.

Dentro desse panorama, Silvio também levanta uma questão que, em algum grau, é subjacente ao conteúdo do livro: "Que sociedade desejamos para a ruptura com a injustiça social e, consequentemente, para fazer valer a universalização e educação de qualidade para todos, sem dualismos?"

Das cavernas ao diploma

Uma organização didática e pluralista sobre vertentes do pensamento e práticas pedagógicas usadas ao longo do tempo histórico - desde os povos primitivos até a Idade Média - foi o trabalho empreendido pelos professores Silvio e Paulo que resultou na publicação recente do segundo volume do livro "Fundamentos da Educação - Recortes e Discussões". 

Na obra, com 22 capítulos em 394 páginas, há a participação autoral de pesquisadores, pós-graduandos e docentes da UFSCar e de outras universidades. Dentre os capítulos encontram-se, para citar alguns exemplos, a educação hindu, egípcia, heroica (Odisséia e Ilíada) e cívica (Esparta e Atenas), além do pensamento sobre educação de pensadores do porte de Santo Agostinho, Platão e Sócrates. O trajeto se encerra no surgimento das universidades, já durante a Idade Média.




"A preocupação do livro e dos próximos volumes que virão, em número aproximado de dez, tem como objetivo contextualizar, se não todas, algumas contribuições significativas e recorrentes, quer cronológicas ou não, dos fundamentos da educação, possibilitando o  a dimensão da descoberta, da crítica na área e, principalmente, a formação de um olhar crítico-reflexivo", avalia Paulo Lima. 

O evento de lançamento está previsto para acontecer no dia 20 de maio, às 19 horas, no auditório do edifício ATLab do Campus Sorocaba da UFSCar, localizado no Km 110 da Rod. João Leme dos Santos, estrada que liga Sorocaba à Salto de Pirapora. 

Na ocasião também haverá a segunda edição de uma mesa-redonda cujo tema é "Educação de jovens e adultos para além dos muros da escola", com a participação de docentes do Departamento de Ciências Humanas e Educação (DCHE) da UFSCar e convidados. O livro "Fundamentos da Educação - Recortes e Discussões, Volume 2" pode ser adquirido no site da Editora Paco.



(Reportagem de Lucas Montenegro)

Alfabetização na idade certa

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Programa de alfabetização  já é realidade em Tatuí 

Professores do município já notam os resultados do programa lançado em 2013

CARLOS BORGES

A formação realizada com os professores é mensal.
Os professores da cidade de Tatuí já estão praticando, em sala de aula, os ensinamentos adquiridos através do PNAIC (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa). O pacto é uma iniciativa do governo federal que visa à alfabetização completa de crianças até os oito anos de idade, através da capacitação dos professores, segundo informa Maria Lucia de Camargo, 61, coordenadora do programa no município.
Educadora há mais de 40 anos, ela ressalta que o pacto é um compromisso firmado entre o governo federal, estados e municípios e tem como principal objetivo alfabetizar alunos em língua portuguesa e matemática, nos três primeiros anos de ensino. “O PNAIC trouxe um espaço para pensar, dialogar, socializar, trocar ideias, mas principalmente refletir sobre a alfabetização e o letramento de nossas crianças”, afirma Maria Lucia. 
Ela destaca que o pacto, já esta rendendo os resultados esperados para a educação no município. Isso pode ser notado na melhoria das notas dos alunos, nas avaliações internas e externas. “A prática docente já sofreu mudanças no ano de 2013, demonstradas pelos bons resultados no Saresp (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) e Provinha Brasil (avaliações aplicadas aos alunos do ensino fundamental), além, é claro, das provas bimestrais”, ressalta.

SAIBA MAIS: O que é o Pacto?

Os professores também destacam os resultados que o pacto tem produzido dentro e fora da classe. “O PNAIC é importante, pois nos leva a trabalhar de acordo com a realidade de cada aluno, com atividades diversificadas, buscando atingir a todos, de acordo com o nível de aprendizagem em que se encontram”, relata Rosangela Machado, 42, professora há aproximadamente 15 anos. Segundo ela, o que torna o ensino mais agradável é o fato do programa envolver assuntos do cotidiano do aluno.
Cristina em um momento de descontração durante a formação.
Da mesma forma, a professora Cristina Pereira, 43, acredita que esse seja o fator que favoreceu muito a aprendizagem dos alunos. “Com certeza, as crianças no final de cada atividade, ou etapa do projeto, já demonstram um avanço, seja na leitura ou através da escrita, por se tratar de atividades prazerosas, acredito que a aceitação é bem mais fácil”, avalia. 
O programa visa, também, o aperfeiçoamento dos professores, que participam de uma formação continuada. “Os encontros acontecem uma vez por mês entre os professores e a coordenação local. Eles recebem uma bolsa de duzentos reais para participar da formação, que é paga conforme a frequência no curso”, informa a coordenadora Maria Lúcia.
Para a professora Cristiane Freitas, 40, o curso auxilia o alfabetizador no método de ensino e na vida profissional. “O PNAIC contribuiu para promover a reflexão e auto-avaliação do professor. Através do aperfeiçoamento, assimilamos novas práticas de ensino, trazendo ideias inovadoras que abrem novos caminhos para aprendizagem”, afirma
Em relação ao pacto, a coordenadora Maria Lucia destaca a importância dele para os alunos e os professores envolvidos. “Ele veio ajudar o educador a dinamizar sua aula, a ter um olhar diferenciado para todas as crianças, com dificuldades ou não, tendo a certeza de que todas aprendem”, conclui.

Racismo. Presente!

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Combate às desigualdades raciais deve (ou deveria) começar na escola
Curso da UFSCar prepara professores de Sorocaba e região para que eles possam desconstruir, em sala de aula, posturas e mecanismos que fomentam o racismo

A falta de representação de suas histórias, culturas e identidades raciais é algo que pode fazer com que milhares de estudantes sintam-se deslocados no ambiente escolar. Embora haja meninos e meninas negras, orientais e de origem indígena nas classes infantis, as bonecas, brinquedos, as personagens dos desenhos animados, filmes e livros a que essas crianças têm contato costumam seguir um padrão: são brancas. De olhos claros. Detentoras do protagonismo.

Apresentado pelas professoras Rosana Batista Monteiro, do Departamento de Ciências Humanas e Educação (DCHE) do Campus Sorocaba da UFSCar, e Vanessa Ferreira, da rede de ensino infantil do município, este é só um exemplo que pode revelar, por seu simbolismo, uma realidade muito maior presente na sociedade e, por efeito, no nosso sistema educacional: o racismo.


Escola e democracia racial
Uma pedagogia anti-racismo, como define Rosana Monteiro, que apresente nas escolas a diversidade do povo brasileiro e ajude no surgimento de uma verdadeira democracia racial no país - onde todos, independentemente da cor, terão condições e oportunidades iguais – é a finalidade do curso “Formação de formadores para a educação das relações étnico-raciais”, coordenado pela docente na UFSCar.

A atividade de extensão é desenvolvida quinzenalmente aos sábados e tem 60 alunos entre estudantes de licenciaturas e, em sua maioria, professoras das redes de ensino de Sorocaba e municípios da região - Vanessa é uma delas. O curso é dividido em três eixos temáticos: “Racismo, preconceito e discriminação: conceitos e concepções”, “Políticas de Ação Afirmativa” e “Propostas de implementação das DCNERER na escola”.    

Aula sobre Clóvis Moura, sociólogo e historiador que publicou, entre outros estudos, a Sociologia da Práxis Negra
O primeiro eixo trata do que se entende por preconceito e discriminação, como eles foram sendo constituídos ao longo do tempo e o que são, contemporaneamente, os conceitos de raça e racismo. A ideia é “discutir como as desigualdades raciais são produzidas e reproduzidas e o impacto que elas têm ainda hoje”, resume Rosana.

O segundo eixo trata principalmente da Lei de Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais (DCNERER), sancionada em 2003 pelo Governo Federal, que altera a Lei de Diretrizes Básicas (LDB) e obriga as escolas a incluírem o tema em suas grades a partir do Ensino Fundamental.  Essa parte do curso, diz Rosana, procura “trazer para o professor esse referencial da norma não só para que ele cumpra a lei, mas para que ele entenda o porquê, as razões dessa legislação existir e como é que ele pode colocá-la em prática.”

O terceiro e último momento da atividade se propõe a discutir o cotidiano da escola, o seu projeto político-pedagógico no que diz respeito à educação para as relações étnico-raciais e a melhor maneira da implementação efetiva de uma pedagogia que tente desmontar as posturas e ideologias que estimulam o preconceito.  

Formação má, história mal contada
                                   
Para Ademir Barros dos Santos, pesquisador, escritor e integrante do movimento social negro de Sorocaba, as ações previstas na lei do DCNERER, embora boas e necessárias, estão longe de serem aplicadas satisfatoriamente – em dado momento, chega a se referir a ela como “letra morta”, por sua inserção irrisória nos currículos de cursos universitários, por exemplo.

Rosana Monteiro concorda que a legislação, que completa 12 anos em 2015, ainda é insuficientemente exercida. “O número de escolas de Educação Básica, e mesmo na Educação Superior, que estão colocando isso em prática ainda é bem pouco significativo. Nós temos experiências excelentes, que estão sendo identificadas e estudadas, mas a extensão da implementação da lei ainda está longe de ser considerada ideal”, reconhece.

Ademir Barros dos Santos, Rosana Batista Monteiro (centro) e a aluna do curso Vanessa Ferreira
A história da população negra ainda é muito distorcida e estereotipada na maior parte das escolas, segundo Ademir. “A África é contemplada como se em 1500 tivesse caído um monte de terra. E caiu com força, porque bateu no oceano e saiu espalhando escravo para todo lugar. Porque a África aparece assim na história, não é? Aí você, de fato, não está colocando na cabeça de alguém um pingo de alegria por pertencer àquele povo”, critica. “Não houve evolução, o que há é mais discussão”, completa, fazendo um paralelo entre o que era ensinado em seus tempos de aluno e agora.

Uma das lacunas nocivas à compreensão real da história, de acordo com Ademir, é a ausência do relato sobre o negro livre - quer por fuga, quer por conquista da liberdade - como interlocutor da sociedade, agente social importante em seu meio, em contraposição à reprodução reiterada da imagem típica do escravo: sempre degradado e submisso. Um retrato que é, segundo o pesquisador, por vezes aceito e passado, inclusive dentro de casa, de pais para filhos negros, como se fosse algo irrevogável e, pior, natural. “Então essa criança de quatro, cinco anos, aprende uma situação de subalternidade. Que aquele é o lugar dela.”


Desconstruir estigmas que vêm de 344 anos de escravidão no Brasil e barreiras sutis que mantém a maioria dos negros, ainda hoje, nas periferias das cidades, não é tarefa fácil nem tampouco rápida. Esse racismo – já institucionalizado, segundo Rosana e Ademir - influencia a maneira como os próprios gestores educacionais enxergam a questão. “Muitas vezes há uma barreira imposta pela diretora, pela coordenadora, que diz que o professor está trazendo para dentro de sala de aula conflitos desnecessários. Então você continua eurocêntrico e está tudo certinho, viu?”, provoca Ademir. 

Professora da rede de ensino infantil de Sorocaba e aluna do curso da UFSCar, Vanessa Ferreira concorda que há insegurança por parte do corpo docente em tratar das desigualdades raciais nas escolas: medo de constranger o aluno que discrimina e mesmo o que sofre com as discriminações. Falta material didático e diálogo, diz ela, mas acima de tudo formação aos professores. “Muitas vezes a gente finge que não existe. O tema é tratado como se já estivesse resolvido.”

 (Reportagem e fotos de Lucas Montenegro)

Educação e cidadania

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Ações de responsabilidade social

movimentam escolas públicas de Tatuí

Alunos dão exemplo de cidadania em passeata e arrecadação de alimentos

Carlos Borges

          Os alunos de escolas públicas da cidade de Tatuí estão cada vez mais envolvidos em ações de responsabilidade social no município.
A mobilização, sempre presente, começou a ficar mais evidente na campanha de arrecadação de água para cidade de Itu, que passava por uma grave crise hídrica, no final do ano passado.
Esse ano dois atos estão movimentando o alunado de ensino fundamental da cidade.
Exposição de cartazes produzidos pelos alunos
O primeiro foi uma campanha de combate à dengue, que começou com palestras realizadas nas escolas, culminando em uma passeata realizada pelos alunos.
Esse tema, segundo a professora Cíntia Loretti, é trabalhado em sala de aula de uma forma constante. “Eles aprendem como evitar a proliferação do mosquito, quais são os sintomas e a forma de contágio”.
Cíntia também afirma que embora seja algo que é relacionado a ciência, a dengue pode ser envolvida em outras áreas. “É uma matéria interdisciplinar, pois posso trabalhar com os alunos em língua portuguesa, geografia etc”. 
Segundo a professora, o assunto que já faz parte da rotina das aulas foi aperfeiçoado com as palestras organizadas pela secretaria da Saúde e terminou com uma passeata realizada no último dia 24 de março. “Foi a finalização de tudo isso. 
Palestra aos alunos realizado por Rosana da secretária da Saúde
Os alunos puderam passar para as pessoas tudo o que aprenderam sobre a dengue, e o quanto ela é ruim”, completa Cíntia.
Os alunos ficaram empolgados com a proposta da passeata. É o caso de Vitor Vieira, aluno de quinto ano do ensino fundamental. “É muito criativo”, salienta. Toda essa conscientização pode ser notada dentro de sua própria casa. “Eu peço para meus pais e avós tomarem cuidado com pneus, garrafas viradas para cima e a caixa d’água aberta. E eles que já sabiam dos perigos estão colaborando mais ainda”, ressalta.
Os pais também aprovam a iniciativa. “Eles passam a cobrar mais sobre as atitudes que devem ser tomadas a respeito da dengue. E isso vindo de uma criança é muito lindo”, completa Edilene Vieira, mãe de Vitor.
A "Passeata contra a Dengue" finaliza o projeto.
O projeto realizado nas escolas teve saldo positivo, afirma Rosana Lopes do grupo de combate a dengue na cidade. Para ela, as crianças possuem uma preocupação muito grande em relação a dengue e transmitem aos adultos. “A escola é um ambiente multiplicador. As crianças transmitem as pessoas tudo, com responsabilidade e consciência”, conclui Rosana, que trabalha diretamente nas escolas ministrando palestras.
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Santa Casa de Misericórdia

A segunda ação que envolve os alunos da rede pública de ensino é uma arrecadação de alimentos para a Santa Casa de Misericórdia de Tatuí. A Entidade passa por uma crise financeira que está mobilizando a cidade.
Dessa maneira, mais uma vez a crianças estão dando exemplo de cidadania. Sensibilizados com a atual situação da Santa Casa, cada escola se comprometeu a arrecadar alimentos para doar à instituição. A campanha que está em andamento tem obtido resultado positivo.
A arrecadação vai até 10 de abril, e além dos alunos, qualquer pessoa pode fazer sua doação: basta entregá-la em uma escola municipal.
Ao final da campanha os alimentos recolhidos vão ser entregues pelos próprios alunos à Santa Casa.
 Escola Eugenio Santos responsável pela arrecadação de bolachas.

Informações dos endereços das escolas podem ser obtidos na secretaria da Educação do município, localizada na Praça da Bandeira, 65, no Centro, ou pelo telefone (15) 3251-5848.

Novo ministro

terça-feira, 31 de março de 2015

Renato Janine Ribeiro é anunciado como novo ministro da Educação


"Sem educação não se avança"
Professor e filósofo, Renato (foto) vai ocupar o cargo de ministro da Educação a partir de 6 de abril. Em entrevista concedida à Agencia Brasil ele disse que recebeu o convite de Aloizio Mercadante, chefe da Casa Civil e aceitou imediatamente. A pasta está interinamente sob o comando de Luiz Cláudio Costa, que é também secretário executivo do MEC.

Recomeço através da educação

domingo, 22 de março de 2015

Um novo futuro a jovens que tentam reescrever a própria história
Fundação Casa III de Sorocaba oferece ensino, arte e cultura, esportes e educação profissionalizante a adolescentes infratores em regime de internação


Reportagem e fotos: Lucas Montenegro
Infográfico: Jarbe Gilliard

Jovens têm aulas das 7 da manhã ao meio-dia e vinte; classe do Ensino Médio aprendendo Matemática
Arthur de Sousa, 17 anos, tem o desejo de cursar uma faculdade de Artes. Descobriu que gosta de desenhar. Já Pedro Henrique, 15, vislumbra um futuro para si nos Estados Unidos. “Minha tia me mandou uma carta, dizendo que eu podia ir para lá”, conta o adolescente. Antes, porém, uma condição: deve se formar técnico em mecatrônica. “Saindo daqui eu vou correr atrás desse curso, pegar o visto...”. 

Entre os dois jovens e Jonas Alves, também de 17, uma preferência em comum: a matemática. “Consigo fazer bem as contas. A professora é boa, explica bem as aulas”, diz Jonas. Pedro divide ainda a simpatia pelos números e equações com o Português – quer aprimorar seu vocabulário. Por isso também lê livros, e os jornais são “para ficar por dentro do que está acontecendo”.

Os adolescentes - apresentados com nomes fictícios para preservar suas identidades - são internos da Fundação Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente) III, localizada no bairro Aparecidinha, em Sorocaba. Ali cumprem medidas socioeducativas em regime de internação junto a outros jovens de municípios vizinhos.  

Eles conversam sem demonstrar revolta ou autocomiseração, e em suas vozes ora tímidas, ora confiantes, nenhuma afetação de sentirem-se injustiçados. Cometeram erros, sabem disso. Demonstram vontade de mudar. Jonas, por exemplo, tem uma irmã pequena, de cinco anos. E a menina tem essa mania comum às crianças: se ela vê o Jonas, o pai ou a mãe fazendo alguma coisa, ela faz também! “Quero dar outro tipo de exemplo”, explica o rapaz, ao se referir à influência que sua conduta poderia exercer na irmãzinha.

Para “darem outro tipo exemplo” - ou para realizarem o desejo de “ser alguém na vida”, como definiu Pedro -, os adolescentes adquirem na Fundação Casa, dia após dia, ferramentas que são e serão fundamentais quando retornarem à sociedade: educação, cultura, noções de um ofício.

Em busca do tempo perdido

A escola da Fundação Casa segue a mesma grade curricular da instituição de ensino a que está vinculada, explica a coordenadora pedagógica da unidade de Sorocaba, Luciana Monteiro. Nela também são oferecidos os ciclos Fundamental, Fundamental 2 e Ensino Médio.  As aulas começam às 7 horas da manhã e cada aula tem 50 minutos, com 20 minutos de intervalo.

O jovem internado prossegue seus estudos “lá” dentro a partir do último ano em que estava matriculado “aqui” fora. A taxa de defasagem escolar costuma ser alta. “A gente tem adolescente que chega aqui com 15, 16 anos, que realmente não sabe ler. Não consegue escrever uma carta para a mãe, por exemplo”, constata Moisés Martins, diretor da unidade.

Os efeitos, então, de serem até mesmo alfabetizados em alguns casos – e de se sentirem capazes de se comunicarem sem a ajuda de outros - costumam ser estimulantes a eles, indica o diretor. “Psicologicamente, isso eleva bem a autoestima do adolescente. Isso traz uma transformação muito grande no ser.”

O diretor Moisés Martins e a coordenadora Luciana Monteiro; centro socioeducativo, assim como os outros, segue o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a política do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE)
Para tentar sanar esse problema de defasagem escolar existe o Projeto Revitalizando a Trajetória Escolar (PRTE), que prevê avaliações do rendimento cognitivo e da evolução das competências dos jovens. “Se o interno consegue ir bem nessa avaliação, ele conclui o Ensino Fundamental e vai para o Médio”, esclarece Luciana Monteiro, que diz que este ano já há um número maior de internos cursando o Ensino Médio em relação aos anos anteriores.
                       
Em minha arte ou ofício

Com exceção das grades pintadas de azul, da vigilância constante e dos portões hermeticamente fechados, a Fundação Casa de Sorocaba em tudo se assemelha a uma escola normal: o pátio, aberto ao céu, ali uma mesa de ping-pong; a quadra, pouco mais ao fundo, onde os jovens praticam esportes; a sala de informática; a biblioteca. Atrás de suas paredes e de suas estantes de livros, uma horta cultivada pelos adolescentes com o mesmo esmero que cuidam das flores e dos canteiros de grama aparada.


No período da tarde, os jovens têm a opção de participar de algumas das 11 oficinas profissionalizantes – entre elas horticultura, jardinagem (aplicadas na paisagem da Fundação), confeiteiro, panificação artesanal, web – e de atividades de arte e cultura, como teatro e percussão. Isso é possível por meio de convênios mantidos pela Fundação com o Centro Paula Souza, com o Projeto Guri e com o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC).

Medidas preveem advertência, reparo ao dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e, em último caso, internação; aos sábados é permitido aos jovens receberem visitas de familiares

"Não queria saber de nada de mim"

Para além das dificuldades presumíveis, os benefícios dessa fase de aprendizado, de autoconsciência e treinamento são relevantes para os jovens, tanto social quanto intelectualmente, eles contam. “Antes eu tinha muita vergonha. Tinha muita vergonha de chegar, falar com as pessoas, pedir alguma coisa. Hoje, não. Escola mesmo eu não ia lá fora. Não queria saber de nada de mim”, lembra Arthur. Ele já participou, além da classe de Ensino Médio que frequenta, dos cursos profissionalizantes de pizzaiolo, salgadeiro e jardineiro. 

No final do ano, Arthur pode, caso queira, fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) – quem sabe pleitear uma vaga em uma universidade? “Quando acontece [do interno ser aprovado em uma universidade], e o menino já concluiu as metas do PIA [Plano Individual de Atendimento], a gente pede ao juiz a progressão ou extinção da medida para que ele possa dar continuidade à sua vida”, afirma o diretor da unidade. 

Pedro Henrique - o que recebeu convite da tia para ir ao estrangeiro - fez teatro, percussão e as oficinas de informática e doceiro, “coisas que dá para utilizar lá fora”. “Uma coisa que eu sei que pode estar influenciando meus familiares. No futuro, mais para frente, se eu tiver filho...”. Jonas também se afeiçoou ao teatro, porque “ele mexe bastante com o corpo, mexe com a mente da gente”.

"De vez em quando a gente encontra alguns deles pela rua e “oh, senhor, tô trabalhando, já casei, tô namorando...". Isso é corriqueiro numa cidade que não é tão grande, igual Sorocaba. A gente encontra muitos meninos trabalhando no mercado, às vezes numa loja, num açougue. Isso leva a gente a acreditar ainda mais no nosso trabalho", define o diretor Moisés Martins.  

Por volta das 20 horas, após jantarem, os adolescentes internos da Fundação Casa III de Sorocaba se recolhem em seus dormitórios, que abriga 6 ou 7 adolescentes cada, com chuveiros. Às 22 horas as luzes da unidade são apagadas para que eles descansem para um novo dia que virá.    

“Eu fui percebendo que eles têm um potencial incrível se tiver alguém ao lado deles” 
A professora Ivonete deve se aposentar daqui há dois anos. Promete ir até o fim da carreira dando aulas na Casa 
Em 2000, eu dava aula num bairro que é considerado um dos piores de Sorocaba: Nova Esperança. E eu me dei muito bem no meio daquelas crianças. Eu dava aula para a quinta série. Eu buscava a necessidade deles. Então eu não era só professora de Português para eles, eu dava aula de higiene, comportamento. O que eu ensinava aos meus filhos em casa eu queria ensinar aos meus alunos em sala de aula.

Aí surgiu [a Fundação Casa], nessa época era concurso para entrar, e minha coordenadora falou assim: “Ivonete, você tem perfil para entrar lá dentro. Vá fazer o concurso.” E eu, meio contrariada, meu marido, advogado, meio contrariado. Mas eu fiz. Passei e comecei a trabalhar aqui. O primeiro ano foi um choque. Porque eu não sabia que existia esse submundo. Eu não sabia que as famílias estavam desse jeito. Porque eu sou mãe de dois filhos e meus filhos seguiram o tempo cronológico: crianças, adolescentes, adultos. Quando eu cheguei aqui, me deparei com meninos de 14 anos que eram homens. E já na vida do crime.

Eu dava aula aqui, e ao mesmo tempo dava aula lá fora. Quando eu saía daqui de manhã, e eu ia para o [colégio] Reverendo Ovídio, as professoras de lá falavam assim para mim: “Ivonete, você está destruída.” Mas aí eu falei não, eu não posso me deixar levar por isso, eu tenho que continuar o meu trabalho lá dentro. Eu sei que não posso endireitar o mundo, mas o que eu tenho a oferecer acho que vai servir para alguém.

Daí fui mudando meu jeito de ser, aceitando mais as coisas. O tempo foi passando e eu fui percebendo que eles têm um potencial incrível se tiver alguém ao lado deles. Hoje eu entro na minha sala e vejo um menino que conta uma história de vida terrível, de arrepiar. Ele é culpado!? Então vamos tentar buscar dentro dele o que ele tem de melhor. Foi isso que me fez continuar.

Eu cheguei a dar, além das minhas aulas, curso profissionalizante aqui dentro. Eu dei curso de garçom. Você precisava ver aqueles meninos aproveitarem aquele momento, aprenderem e depois ensinarem às próprias mães que vinham aqui.

A maioria deles demonstra interesse [em continuar os estudos], mas, você já sabe, sai lá fora, tem os “amigos”... Qual é a primeira palavra do “amigo”? “Tenho uma aqui, vamos fumar comigo?” E a maioria não tem alicerce...

Porque eles gostam de ser cobrados. Aqui dentro eles aprenderam assim, então é um respeito que eles têm. Muitos daqui eu tenho o prazer de encontrar lá fora, trabalhando. Acho a coisa mais linda. Eles vêm: “Ei, senhora Ivonete, olha, eu tô aqui, tô trabalhando”. Eles fazem questão de mostrar.

Só de você ver um menino que não tinha entusiasmo nenhum, que sabia escrever, mas nem se lembrava mais, hoje você pega o caderno desse menino, tem uma letra linda, tem uma postura... Isso para mim é mais do que uma gratificação, é uma conquista.

Eles se importam se meu cachorro está bem! Eu fiquei numa felicidade imensa quando fui avó, e eles até hoje tem a preocupação de perguntar: “Senhora Ivonete, seu netinho está bem?” Eles falam para mim: “Quando eu sair, eu posso ir até sua casa?” Minha resposta: “Se você estiver seguindo esse caminho que nós mostramos para você, você será bem recebido.” E eu fico muito contente, eu não deixo de cumprimentá-los onde encontro.

O que eles não tiveram lá fora foi isso. E eu friso para eles, sempre: “Dessa porta pra cá, nós somos escola de Brigadeiro Tobias. Eu sou professora e vocês são alunos. Então, o que vocês perderam de tempo lá fora, recuperem aqui dentro. Isso é cumprir uma medida socioeducativa, é você resgatar tudo aquilo o que você perdeu de bom.” 

Então isso aqui, para eles, é o primeiro degrau de uma escada imensa.

- Ivonete Teixeira Gomes é professora da Fundação Casa de Sorocaba há 15 anos. Dá aulas de Português e Artes aos adolescentes. O texto acima são trechos extraídos de uma entrevista.