Projeto de alfabetização de jovens e adultos em Sorocaba realiza sonhos antigos de
conhecimento
Maioria dos alunos vem de outros Estados, é de origem camponesa e precisou ajudar no sustento da família durante a infância
Maioria dos alunos vem de outros Estados, é de origem camponesa e precisou ajudar no sustento da família durante a infância
Alexsandro Kurosaki da Silva, filho de um pernambucano e
de uma japonesa, não pôde estudar na sua infância, em São Paulo, para onde foi
ainda bebê. As mortes precoces da mãe, quando ele tinha sete anos, e do pai,
quando tinha 15, fez com que labutasse desde pequeno: era necessário sustentar
os seis irmãos. Catou ferro-velho na
rua, trabalhou na feira, vendeu chocolate na Praça da Sé, no viaduto do Chá,
nos semáforos. Não sobrava tempo para a escola. “Se eu não trabalhasse nós
íamos morrer de fome.”
Foi para o Japão aos 17 anos. Mesmo sem saber escrever,
conseguiu nas cidades de Tóquio e Nagoya empregos em que mexia com mecânica, no
câmbio de empilhadeiras em indústrias. De lá, remetia dinheiro para seus
irmãos aqui no Brasil. Voltou com 31 anos e veio morar em Sorocaba. Não se
arrepende dos sacrifícios que teve de fazer; se emociona, chora, ao falar desse
período de sua vida. “Pra mim é uma vitória muito grande ver hoje meus irmãos
casados, com saúde. Eu perdi o estudo, mas eu vi eles felizes, com roupa...”.
Analfabetos sofrem muita discriminação, lamenta Alexsandro. "Eu estou muito emocionado e alegre de ter essa chance." |
Agora, aos 38 e mais
estabelecido financeiramente, o desejo tantas vezes distante pela necessidade
de sobrevivência está sendo finalmente realizado: Kurosaki é aluno da classe de
ensino Fundamental 1 do Projeto Alfa Vida – Educação de Jovens e Adultos, na
escola municipal Irineu Leister, no bairro Ipiranga. Está descobrindo, com ajuda da professora Edna, o alfabeto, o curioso efeito de uma
sílaba quando concatenada com outra, as regras gramaticais. Não só: além das aulas
de Português, aprende Ciências, Geografia, Matemática, História, Artes.
O Japonês - seu
apelido e afinal como todo mundo o conhece e chama - tem um sonho: terminar os
estudos e fazer um curso de mecânica ou elétrica, ramo em que já faz alguns
bicos. “É muito difícil você chegar numa firma e lá você tem que preencher um
papel, colocar seus dados... e a gente não consegue”, confessa. “Eu quero ter alguma coisa, algum emprego digno.” Para tornar realidade esse sonho, incentivo não falta. “Tem muita gente
me dando apoio. A professora, minha esposa, o pessoal da igreja.”
Acreditar em si
Estímulo e apoio à autoestima,
realmente, são os maiores desafios que a professora Edna de Jesus Teles Oliveira enfrenta em sala de
aula. Convencê-los que, sim, podem. “Fazer cada um deles acreditar que não é
tarde, que ainda dá tempo, que não são burros, que vão conseguir. Isso tem que
ser feito todos os dias”, conta a professora.
"Eu acho que eu tenho um papel. Não escolhi a profissão à toa", diz Edna sobre sua motivação como professora do EJA |
Edna, cujos pais eram também analfabetos, dá aulas há sete anos no Alfa Vida. Nesse tempo, colecionou experiências e histórias de superação que servem de exemplos a ela. A maioria dos alunos, conta, é imigrante, de origem camponesa, precisava ajudar a família no sustento e morava longe da escola. É uma minoria que vem da cidade.
Marina Vidal Silva, aposentada de 65 anos, e Júlio Alves de Pontes, jardineiro de 42, comprovam essa tendência. Ambos cresceram em sítios no Paraná. Júlio, menininho, já carpia. Marina tinha de se dedicar ao trabalho doméstico e ao serviço na roça: “tomar conta da casa, lavar roupa no rio, buscar água longe, rachar lenha...”. Depois, a criação dos filhos e dos netos a impediram, mais uma vez, de pisar numa sala de aula. Apesar da idade, e de só agora conseguir o que tanto almejou por muito tempo, Marina não se queixa. “Tudo tem seu tempo e sua hora.”
Júlio Alves de Pontes quer fazer curso de jardinagem depois |
A sorridente Marina Vidal Silva quer estudar "até quando der" |
Alexsandro, Marina e Júlio estão na mesma turma. É uma sala mista, primeiro e segundo termo. O primeiro termo equivale à primeira e segunda série. O segundo termo, terceira e quarta série. Os dois termos, juntos, levam primeiro à alfabetização e depois à conclusão do Fundamental 1.
O currículo e o planejamento das aulas, no entanto, são diferentes dos aplicados às crianças. Tentam seguir as peculiaridades, a trajetória de cada aluno, e são mais voltados aos problemas de uma pessoa adulta no mundo. Muitos dos alunos, por exemplo, precisam conciliar a busca pelo conhecimento com jornadas de trabalho, deslocamentos de ônibus, a criação de filhos e outros afazeres. “Eles já são vencedores pelo simples fato de estar aqui”, acredita Edna.
(Reportagem e fotos de Lucas Montenegro)
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