"A educação exige os maiores cuidados, porque influi sobre toda a vida." - Sêneca, filósofo grego

“Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor.” – Paulo Freire, educador brasileiro

"[A educação] Não é a preparação para a vida, é a própria vida." – John Dewey, pedagogo estadunidense

 

Nunca é tarde para aprender

sábado, 9 de maio de 2015

Projeto de alfabetização de jovens e adultos em Sorocaba realiza sonhos antigos de conhecimento

Maioria dos alunos vem de outros Estados, é de origem camponesa e precisou ajudar no sustento da família durante a infância

Alexsandro Kurosaki da Silva, filho de um pernambucano e de uma japonesa, não pôde estudar na sua infância, em São Paulo, para onde foi ainda bebê. As mortes precoces da mãe, quando ele tinha sete anos, e do pai, quando tinha 15, fez com que labutasse desde pequeno: era necessário sustentar os seis irmãos.  Catou ferro-velho na rua, trabalhou na feira, vendeu chocolate na Praça da Sé, no viaduto do Chá, nos semáforos. Não sobrava tempo para a escola. “Se eu não trabalhasse nós íamos morrer de fome.”

Foi para o Japão aos 17 anos. Mesmo sem saber escrever, conseguiu nas cidades de Tóquio e Nagoya empregos em que mexia com mecânica, no câmbio de empilhadeiras em indústrias. De lá, remetia dinheiro para seus irmãos aqui no Brasil. Voltou com 31 anos e veio morar em Sorocaba. Não se arrepende dos sacrifícios que teve de fazer; se emociona, chora, ao falar desse período de sua vida. “Pra mim é uma vitória muito grande ver hoje meus irmãos casados, com saúde. Eu perdi o estudo, mas eu vi eles felizes, com roupa...”.

Analfabetos sofrem muita discriminação, lamenta Alexsandro. "Eu estou muito emocionado e alegre de ter essa chance."

Agora, aos 38 e mais estabelecido financeiramente, o desejo tantas vezes distante pela necessidade de sobrevivência está sendo finalmente realizado: Kurosaki é aluno da classe de ensino Fundamental 1 do Projeto Alfa Vida – Educação de Jovens e Adultos, na escola municipal Irineu Leister, no bairro Ipiranga. Está descobrindo, com ajuda da professora Edna, o alfabeto, o curioso efeito de uma sílaba quando concatenada com outra, as regras gramaticais. Não só: além das aulas de Português, aprende Ciências, Geografia, Matemática, História, Artes.

O Japonês - seu apelido e afinal como todo mundo o conhece e chama - tem um sonho: terminar os estudos e fazer um curso de mecânica ou elétrica, ramo em que já faz alguns bicos. “É muito difícil você chegar numa firma e lá você tem que preencher um papel, colocar seus dados... e a gente não consegue”, confessa. Eu quero ter alguma coisa, algum emprego digno.” Para tornar realidade esse sonho, incentivo não falta.  “Tem muita gente me dando apoio. A professora, minha esposa, o pessoal da igreja.” 

Acreditar em si
Estímulo e apoio à autoestima, realmente, são os maiores desafios que a professora Edna de Jesus Teles Oliveira enfrenta em sala de aula. Convencê-los que, sim, podem. “Fazer cada um deles acreditar que não é tarde, que ainda dá tempo, que não são burros, que vão conseguir. Isso tem que ser feito todos os dias”, conta a professora.  

"Eu acho que eu tenho um papel. Não escolhi a profissão à toa", diz Edna sobre sua motivação como professora do EJA
Edna, cujos pais eram também analfabetos, dá aulas há sete anos no Alfa Vida. Nesse tempo, colecionou experiências e histórias de superação que servem de exemplos a ela. A maioria dos alunos, conta, é imigrante, de origem camponesa, precisava ajudar a família no sustento e morava longe da escola. É uma minoria que vem da cidade.

Marina Vidal Silva, aposentada de 65 anos, e Júlio Alves de Pontes, jardineiro de 42, comprovam essa tendência. Ambos cresceram em sítios no Paraná. Júlio, menininho, já carpia. Marina tinha de se dedicar ao trabalho doméstico e ao serviço na roça: “tomar conta da casa, lavar roupa no rio, buscar água longe, rachar lenha...”. Depois, a criação dos filhos e dos netos a impediram, mais uma vez, de pisar numa sala de aula. Apesar da idade, e de só agora conseguir o que tanto almejou por muito tempo, Marina não se queixa. “Tudo tem seu tempo e sua hora.”

Júlio Alves de Pontes quer fazer curso de jardinagem depois
A sorridente Marina Vidal Silva quer estudar "até quando der"

O Projeto Alfa Vida - Educação de Jovens e Adultos (EJA) foi criado em 1989 pela Secretaria de Educação de Sorocaba, com ajuda do Fundo Social de Solidariedade, à época presidido por Maria Inês Moron Pannunzio. Naquele ano, a taxa de analfabetismo no município ultrapassava 10%. No censo realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) já indicava que esse número havia sido reduzido para 3,1%. Em 2015, há 13 turmas de Alfa Vida em diversas escolas e CEIs da cidade. 

Alexsandro, Marina e Júlio estão na mesma turma. É uma sala mista, primeiro e segundo termo. O primeiro termo equivale à primeira e segunda série. O segundo termo, terceira e quarta série. Os dois termos, juntos, levam primeiro à alfabetização e depois à conclusão do Fundamental 1.

O currículo e o planejamento das aulas, no entanto, são diferentes dos aplicados às crianças. Tentam seguir as peculiaridades, a trajetória de cada aluno, e são mais voltados aos problemas de uma pessoa adulta no mundo. Muitos dos alunos, por exemplo, precisam conciliar a busca pelo conhecimento com jornadas de trabalho, deslocamentos de ônibus, a criação de filhos e outros afazeres. “Eles já são vencedores pelo simples fato de estar aqui”, acredita Edna. 


(Reportagem e fotos de Lucas Montenegro)


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